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A CORUJA, O MASTODONTE, O FAZEDOR DE BURACOS E OUTROS MISTÉRIOS - de MAYA BLANNCO

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010.
(continuação)

Capítulo 3: Frederico, Bairro Alto, Lisboa, Portugal

Acabou de sair daqui o Antônio. Trouxe-me uma fruta grande e dourada que creio ter vindo do estrangeiro, do Brasil, foi o que o ouvi dizer: uma manga. Confesso que jamais provei delícia igual. Por breves instantes, sequer lembrei ou senti saudades do tempo em que o vento frio do Ártico roçava minhas asas.

Antônio saiu amuado, depois de muito discutir com Mathias sobre a viagem que faremos à Europa, onde ele pretende juntar-se à equipe que está cavando o tal buraco no meio do mar.

Não houve forma de demover meu amigo da tolice da empreitada - que o consórcio suíço já teria gente experimentada nesses afazeres a tratar do assunto, que sua experiência em cavar buracos não seria sentida na obra, etc. Mathias não se deu por convencido e afirmou que nada neste mundo o faria desistir: há coisas, explicou, sim, há coisas que são exigidas de um homem, e esta era uma delas. Há momentos em que não deve um pensar só em si, mas no interesse maior, que atinge todos os nossos irmãos.

Eu, cá comigo, depois, pensei bastante sobre os irmãos a quem ele se referiu. Não tenho nenhum irmão, não que eu me lembre, pois, como disse, vim para terras lusitanas muito novo. Quanto a Mathias, bem, em todos estes anos em que temos vivido juntos, nunca me falou da família ou de seus irmãos. Mas, se os citou, ele os terá por certo. Não questiono as decisões nem as opiniões de meu amigo. É um humano. Decerto saberá das coisas dos homens. Que sei eu? Sou apenas uma ave do Ártico.

Admito que a viagem próxima, o que quer que isso signifique, parece-me não será uma experiência agradável. Depois da visita de Antônio, após o jantar, ouvi mesmo Mathias resmungando alguma coisa sobre isso.

Mostrou-se realmente preocupado com meu conforto. Não atinava a melhor forma de despachar-me. Por mais que ruminasse essa palavra durante a madrugada, não alcancei entender de que maneira isto me afetaria. Não compreendo o que despachar uma coruja quer dizer. Não estou gostando nada disso.

Não mesmo.

(continua)

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